UMa Corrida pela Vida... – Parte 1/2
No próximo domingo, vou correr pela vida. Não sei pela vida de quem, mas, tendo em conta a minha condição física atual e as memórias que guardo, temo que possa ser pela minha: correr pela minha vida desde o ponto de partida até à ambulância mais próxima, com a sensação de que vou falecer a qualquer momento.
No próximo domingo, vou participar numa corrida, a minha primeira corrida com um dorsal e um chip. Até então, nem com chip nem com dorsal. Nunca participei numa prova de corrida. Quero dizer, cheguei a participar numa prova, em pequeno, quando ainda andava no ensino básico, mas aquilo não correu nada bem. Mal se deu a partida, lembro-me de dar três ou quatro passos, tropeçar e ir logo ao chão. Lembro-me ainda de me levantar, todo esfolado, e de ir até à ambulância mais próxima com a sensação de que ia falecer a qualquer momento, mas a verdade é que não morri. Fisicamente, não foi nada de grave. Foram só uns arranhões. Psicologicamente, foi uma tragédia: foi o fim daquilo que poderia ter sido o início de uma grande carreira no atletismo.
[Na verdade, acho que ter caído foi a melhor coisa que me aconteceu, pois acho que nunca iria conseguir terminar a prova e a vergonha seria muito maior. Obrigado a quem me fez tropeçar...]
Cerca de vinte anos depois, vou voltar a participar numa prova de corrida. O medo de cair logo nos primeiros metros mantém-se, mas a vontade de participar e de querer fazer melhor fala mais alto. Não sou um atleta. Não tenho qualquer experiência em provas nem tão-pouco sei o que é que se deve e não se deve fazer antes de participar numa prova destas. Sou um simples amador que gosta de correr, alguém que sente mais prazer em correr seis quilómetros do que em beber um copo de vinho, alguém que adia o despertador vezes sem conta quando é para ir trabalhar, mas que se levanta prontamente quando o despertador toca às seis horas da manhã para ir correr.
[Sim, eu não ganho nada por correr, mas corro como se ganhasse. Aliás, eu até ganho, mas não tem nada que ver com medalhas nem com dinheiro.]
Comecei a correr com alguma regularidade aos vinte anos. Na altura, corria à noite, umas vezes em grupo, com amigos, outras vezes sozinho, com o meu relógio. De há uns anos para cá, já depois de eu ter casado e, mais recentemente, de ter sido pai, já só consigo ir correr de manhã, bem cedo, quando ainda estão todos a dormir: a minha esposa e os meus dois filhotes. Antes de sair, enquanto dormem, dou leite aos dois filhotes, para lhes prolongar o sono e não acordarem a minha esposa aos gritos, com fome, e deixo um bilhete à minha esposa, para ela não acordar os meus filhotes aos gritos, preocupada, nem telefonar para as autoridades a dar o marido como desaparecido.
– Porque é que demoraste tanto? Fiquei preocupada... Ia sair agora de casa, com os nossos filhotes ao colo, para ir à tua procura...
E assim tem sido a minha vida de "atleta", se bem que, ultimamente, pouco ou nada tenho feito pelo meu bem-estar físico. No último ano, conto pelos dedos das mãos o número de vezes que saí de casa para ir correr. No último mês, conto pelos dedos de uma só mão. E foi a pensar nisto que, mal me inscrevi na prova, coloquei o despertador para as seis horas da manhã do dia seguinte. Fui correr na passada terça-feira e ontem, quinta-feira. Corri cerca de seis quilómetros em cada um dos dois dias, doze quilómetros no total. Para quem anda nestas andanças, eu sei que isto não é nada, mas para quem leva a vida sedentária que eu tenho levado nos últimos meses, acreditem que é muito... muito duro. Também comecei a cortar nos doces, a comer verduras e a beber mais água. Para mim, esta parte também tem sido muito dura, principalmente a de cortar nos doces. Como já disse anteriormente, eu não sei o que se deve e não se deve fazer antes de participar numa prova de corrida, mas estou convencido de que estou no bom caminho. Quero dizer, hoje, ao subir à balança, reparei que aumentei quase dois quilos só nesta semana, mas penso que é tudo resultado do aumento da massa muscular...
[Desconfio que também seja resultado do aumento da massa "insular", mas isso agora não interessa nada.]
Qual é o meu objetivo nesta prova?!
Ora bem, tendo em conta que a prova tem uma distância de cerca de cinco quilómetros, com subidas e descidas, terminar a prova no tempo máximo de trinta minutos é o meu grande objetivo. Não obstante, tentar subir ao pódio não está totalmente fora de questão. E é por isso que eu já pensei em algumas estratégias que poderão fazer com que o meu nome seja mencionado na altura de os vencedores subirem ao pódio. A primeira delas é dar tudo por tudo logo nos primeiros metros, até conseguir ficar em primeiro lugar, e, quando o coração não aguentar mais e a língua começar a bater nos pés, atirar-me para o chão e simular uma lesão grave. A ideia é fazer com que a organização fique com a sensação – e mencionem isso mesmo, no momento da entrega das medalhas – de que, se eu não me lesionasse, conseguiria manter aquele ritmo durante todo o percurso e daria uma "abada" aos atletas federados. Na eventualidade de esta estratégia não funcionar, porque o mais provável é que o meu ritmo mais elevado seja inferior ao ritmo mais baixo dos muitos outros participantes, até mesmo dos idosos, resta-me a estratégia de tirar o dorsal número um ao participante que o tiver, colá-lo na minha camisola e subir ao pódio assim que a organização chamar o participante que ficou em primeiro lugar, na expetativa de que a organização confunda o número do meu dorsal com o número da minha classificação. Enfim, no meio de tudo isto, o ideal era que só houvesse três participantes, mas parece que já se inscreveram mais de duzentos...
[Para quem está desempregado e não sabe mais o que fazer para ganhar dinheiro: montar uma rulote de hambúrgueres e farturas à chegada não será nada má ideia. A corrida é às nove e meia da manhã e o pessoal vai chegar cheio de fome...]
No próximo domingo, vou correr pela vida. Não sei pela vida de quem, mas, tendo em conta a minha condição física atual e as memórias que guardo, temo que possa ser pela minha: correr pela minha vida desde o ponto de partida até à ambulância mais próxima, com a sensação de que vou falecer a qualquer momento.