Obrigado, novo coronavírus, por este Natal...
Para muitos, foi um Natal normal, igual a todos os outros: com grandes convívios familiares, de casa em casa. Para mim, não foi um Natal anormal, mas foi diferente de todos os outros: em convívio com apenas o meu agregado familiar e sem sair de casa. De anormal, só mesmo o tempo: trovões, relâmpagos, vento e chuva, muita chuva. Ah, e granizo, com pedras do tamanho de cubos de gelo que davam para servir bebidas até o final do ano. E talvez fosse este o objetivo de São Pedro: que saíssemos à rua e começássemos já a brindar ao ano novo!
Não fosse a pandemia, teria sido assim: pais, mães, irmãos, cunhados, filhos e sobrinhos, todos sentados à mesa na nossa ceia de Natal. No total, seríamos dezasseis pessoas cá em casa: nove adultos, seis crianças e um recém-nascido. Com a pandemia, não tivemos a família toda cá em casa, mas fizemos a ceia de Natal na mesma: eu, a minha esposa e os nossos três filhotes, todos sentados à mesa, felizes e contentes. Para muitos, isto seria só mais um jantar em família, mas para nós, que estamos habituados a jantar no sofá – primeiro eles, connosco a lhes darmos de comer, e depois nós, com o prato no colo de frente para a televisão –, foi muito mais do que isso. Foi um verdadeiro convívio em família. Para além disso, não é todos os dias que somos cinco à mesa com comida para dez. Foi comer até dizer chega.
Depois da meia noite, já depois dos nossos filhotes estarem a dormir, montar – e ajudar a embrulhar – a prenda do Pai Natal para os meus filhotes foi a prenda que me calhou no sapatinho. Obrigado, Pai Natal, pelos sessenta e cinco parafusos e quase duas horas de entretenimento. Não era suposto eu ter montado – e minha esposa embrulhado – a prenda do Pai Natal na noite de Natal, mas tendo em conta que a prenda montada era maior do que os meus dois filhotes juntos, não tinha como a esconder cá em casa sem que eles a descobrissem. Na manhã seguinte, as reações não poderiam ter sido melhores – mais a da minha filhota do que a do meu filhote –, com pulos e gritos de alegria por terem recebido a prenda que tanto queriam: uma cozinha maior do que a casa que o Pai Natal ofereceu no ano passado. E rapidamente nos apercebemos de que a ideia de o Pai Natal oferecer uma prenda em comum para ambos não foi muito brilhante. A sorte é que as facas são de brincar, caso contrário, teriam havido pernas e braços cortados, quiçá até cabeças cortadas dentro do forno a assar. Depois disto, desembrulhámos as restantes prendas que estavam debaixo da árvore de Natal e, de seguida, o nosso pequeno-almoço de Natal.
Depois do pequeno-almoço, o nosso almoço de Natal, com os restos da ceia de Natal. Não fosse a pandemia, o almoço – e o jantar também – de Natal teria sido na casa da minha cunhada, mas, uma vez mais, com a pandemia, ficamos em casa e fomos só nós os cinco sentados à mesa. À noite, no jantar de Natal, exatamente o mesmo: os cinco sentados à mesa para comer os restos da ceia de Natal. E quando digo os cinco, quero dizer literalmente os cinco. Sim, porque está será uma das imagens de marca deste Natal que me vão ficar para sempre na memória: todos sentados à mesa a comer com a minha esposa com uma mamoca de fora a segurar o nosso filhote recém-nascido com uma mão e um garfo com a outra. Depois do jantar, já na cama, tempo ainda para assistir ao direto de Bruno Nogueira – e dos seus convidados – no Instagram. Do melhor...
No dia 26 de dezembro, novo pequeno-almoço, novo almoço e novo jantar, com todos sentados à mesa para comer aquilo que já não era novidade: os restos da ceia de Natal. Como se não bastasse, o meu sogro trouxe um tupperware com língua de vaca estufada – a melhor língua de vaca estufada que se pode comer – e o meu cunhado um tupperware com polvo à lagareiro – o melhor povo à lagareiro que se pode comer. Em circunstâncias normais, o nosso almoço teria sido cá em casa com os meus sogros e o jantar na casa da minha irmã com toda a gente, mas uma vez mais, com a pandemia, almoçámos e jantámos cá em casa sozinhos. Sozinhos, mas sempre muito contentes... e cheiinhos. A Direção-Geral da Saúde (DGS) sugeriu dividir as celebrações de Natal pelas diferentes refeições ao longo do dia de forma a reduzirmos os contactos de risco com familiares durante a época festiva e foi exatamente isso que nós fizemos cá em casa: ceia, pequeno-almoço, almoço e jantar de Natal, só que não convidamos ninguém. Ou seja, não corremos o risco de sermos infetados com COVID-19, mas corremos o risco de morrermos com uma congestão. Eu já fui à balança e, em apenas dois dias, aumentei o meu peso em dois quilos. E o pior é que eu sei que o mal não vem logo e o meu verdadeiro peso só se vai revelar daqui a uns dias. Pelo que comi, devo ficar numa baleia. E é isto que mais me preocupa: a obesidade aumenta o risco de morte por COVID-19 em quase 50 por cento. A sorte é que este ano está quase a acabar e no ano novo já não há COVID-19. Neste Natal, destaque ainda para as palavras sábias do senhor meu pai, depois de eu lhe ter dito por telefone que a minha esposa esteve grávida e que eu sou pai de um terceiro filho: «Tens mais um filho?!... Qualquer dia tens de pedir ajuda à Segurança Social, que isto não está tempo para ter tantos filhos». Não, não ficámos sem falar mais de nove meses por causa da COVID-19 nem das recomendações da DGS. O distanciamento social é algo que eu e o meu pai já praticamos há anos.
Para muitos, foi um Natal normal, igual a todos os outros: com grandes convívios familiares, de casa em casa. Para mim, não foi um Natal anormal, mas foi diferente de todos os outros: em convívio com apenas o meu agregado familiar e sem sair de casa. De anormal, só mesmo o tempo: trovões, relâmpagos, vento e chuva, muita chuva. Ah, e granizo, com pedras do tamanho de cubos de gelo que davam para servir bebidas até o final do ano. E talvez fosse este o objetivo de São Pedro: que saíssemos à rua e começássemos já a brindar ao ano novo!