Filho, o que é que tu queres fazer na tua infância?
Em Portugal, há agências de modelos e empresas de castings que aliciam crianças a entrarem no mundo da moda e da televisão com um único propósito: extorquir dinheiro aos pais dessas mesmas crianças. Os pais pagam centenas e centenas de euros por books fotográficos e formações para representação, mas a garantia de que os seus filhos seriam modelos e/ou participariam em séries ou até mesmo em novelas da TVI não passa de uma burla. Em Portugal, há agências de modelos e empresas de castings que vendem sonhos, mas os pais compram ilusões, as ilusões de que poderiam ganhar muito dinheiro com os seus filhos!
Na semana passada, ficou-se a saber que, em Portugal, há empresas que abordam crianças no meio da rua com a conversa de que elas podem vingar no mundo da moda e/ou da televisão e de que poderão vir a ser grandes estrelas. Aos pais destas crianças, garantem que, mediante o pagamento de alguns books fotogrográficos e formações para representação, os seus filhos serão modelos de revista e/ou de passerelle e participarão em séries ou até mesmo em novelas da TVI. Tudo isto parece inacreditável, mas o mais inacreditável é que muitos pais vão na "cantiga" e chegam a pagar centenas e centenas de euros por algo que não passa de uma alegada burla, pois, assim que recebem os pagamentos, estas empresas desaparecem do mapa. Tudo isto veio a público na passada terça-feira, graças a mais um trabalho de investigação da jornalista Alexandra Borges. Segundo a jornalista, estas empresas chegam a fazer centenas de formações num esquema milionário que já dura há vários anos. O dono das empresas é sempre o mesmo.
«Vendem-se sonhos, compram-se ilusões.» – o mote da reportagem que denunciou esta alegada burla.
Ora bem, tanto a reportagem como o debate televisivo que se seguiu foram bastante esclarecedores no que diz respeito à atuação destas empresas, ou melhor, do dono destas empresas. Não obstante, no que diz respeito à atuação dos pais, nem tudo ficou esclarecido. Aliás, muito pouco. E foi a pensar nisso que eu decidi escrever este texto.
Mas afinal, que pais são estes que tudo fazem para que os seus filhos comecem a trabalhar desde cedo em vez de tudo fazerem para que eles tenham a melhor infância possível, que será sempre a brincar e nunca a trabalhar? Será mesmo que são os filhos destes pais que têm o sonho de trabalhar no mundo da moda e/ou da televisão na sua infância ou será que são os pais que têm o sonho de ganhar dinheiro com estes filhos, custe o que custar?
Se eu bem me lembro, na minha infância, a última coisa que as crianças queriam era trabalhar, por mais simples que fosse o trabalho. O simples trabalho de «colocar o prato no lava-louça» era algo que uma criança só fazia depois de uma chinela ter sido arremessada na sua direção. E nem sempre resultava. Mas se pensam que a explicação tem que ver com dinheiro, desenganem-se, pois, nessa altura, já se prometia muito dinheiro às crianças se fizessem determinados trabalhos:
– Filho, se fizeres os trabalhos de casa e estudares bastante, vais ter uma boa profissão e ganhar muito dinheiro.
[Tretas... Eu que o diga.]
Na minha infância, o que as crianças queriam mesmo era brincar: brincar à bola, à apanhada, às escondidas, às bonecas, ao pai e à mãe,... Enfim, nada a que as crianças de hoje queiram brincar, mas só porque as brincadeiras mudaram. Hoje, as crianças querem é passar o tempo todo a "brincar" em frente a um táblete. E é por isso que eu estranho, e muito, quando oiço alguém dizer que as crianças querem fazer algo em pequenas que não seja brincar. Os tempos mudaram, as brincadeiras também, mas a vontade de brincar das crianças não. E não digo isto sem qualquer fudamento. Digo isto com bastante fundamento até, pois eu sou pai de duas crianças que o que mais querem é galhofa e brincadeiras o dia todo.
[Na verdade, um deles só quer colo, mas isso é só porque ele ainda é bebé. Basta ele começar a andar para ambos fazerem da casa onde eu vivo um autêntico parque de diversões.]
Depois da reportagem da TVI, acredito que muitos dos pais tenham ficado indignados, não por terem perdido centenas de euros para as empresas que os enganaram, mas por não terem ganhado milhares de euros com os filhos que queriam enganar.
– Filho, se fizeres estes books fotográfico e estas formações, vais ganhar muito dinheiro e nós vamos ficar ricos.
Atenção que eu não tenho nada contra estes pais. Muito pelo contrário. Acho bem que tentem ganhar dinheiro com os seus filhos que muito trabalho dão para serem criados. Eu próprio gostaria de ganhar muito dinheiro com os meus filhos, mas, se alguém me abordasse na rua a dizer que os meus filhos tinham tudo para vingarem no mundo da moda e/ou da televisão, eu ria-me logo. Em primeiro lugar, porque as pessoas estão sempre a confundir a minha filhota com um menino e o meu filhote com uma menina. Em segundo lugar, porque os olhos da minha filhota ficam tortos sempre que ela fixa um ponto e as orelhas do meu filhote fazem-me lembrar as orelhas de um feneco. Não é que os meus filhos sejam feios, mas tenho quase a certeza de que, neste momento, nunca vingariam no mundo da moda e/ou da televisão, nem mesmo pagando. Quando muito, poderão vir a vingar no mundo da moda quando forem adultos, pois as crianças que não são muito bonitas em pequenas tendem a ser bem mais bonitas em grandes. E não digo isto por acaso. Digo por experiência própria. E é exatamente isto que eu queria deixar bem claro para os pais: o facto de vocês acharem que os vossos filhos são os mais lindos e os mais talentosos do mundo, não significa que, para as agências de modelos e/ou empresas de castings, eles o sejam. Não é que não existam crianças suficientemente bonitas e talentosas para vingarem no mundo da moda e/ou da televisão. Existem, mas, aos milhares, parece-me exagerado para um país com a dimensão de Portugal.
Em Portugal, há agências de modelos e empresas de castings que aliciam crianças a entrarem no mundo da moda e da televisão com um único propósito: extorquir dinheiro aos pais dessas mesmas crianças. Os pais pagam centenas e centenas de euros por books fotográficos e formações para representação, mas a garantia de que os seus filhos seriam modelos e/ou participariam em séries ou até mesmo em novelas da TVI não passa de uma burla. Em Portugal, há agências de modelos e empresas de castings que vendem sonhos, mas os pais compram ilusões, as ilusões de que poderiam ganhar muito dinheiro com os seus filhos!