Dar à luz em tempos de COVID-19...
Fizemos o teste PCR. O teste da minha esposa deu negativo. O meu teste também. No entanto, ela entrou no hospital e eu não. Porquê? Porque no hospital onde a minha esposa deu à luz, o pai só pode entrar no momento da expulsão. Ou seja, para a administração do hospital, o que importa é o pai ver a mãe de pernas abertas a parir. Estar ao lado dela naquelas longas horas que antecedem o parto, em que os nervos e o medo tomam conta de qualquer mulher grávida, não importa nada. E foi só por isso que a minha esposa ficou sozinha na sala de partos, sem a minha presença, durante mais de dez horas...
Esta não foi a primeira vez que a minha esposa deu à luz. Também não foi a segunda. Foi a terceira. Ou seja, nada de novo para contar. Só que não. Tenho muita coisa nova para contar, muito graças à pandemia e às regras de combate à propagação da COVID-19. De entre as principais regras, destaque para aquela que mais me deixou indignado: ter de fazer um teste à COVID-19 para eu poder assistir ao parto apenas no momento da expulsão. Sim, eu sei que «regras são regras» e que quem quer engravidar em tempos de pandemia tem de aguentar com as consequências, mas a verdade é que a minha esposa já estava grávida muito antes de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado pandemia e de o novo coronavírus ter chegado a Portugal. Mas mesmo que ela tivesse engravidado depois de a pandemia ter chegado a Portugal, eu teria ficado indignado na mesma, pois «há regras e regras» e a regra de o pai ter de fazer um teste à COVID-19 para poder assistir ao parto apenas no momento da expulsão é só estúpida. Mas já lá vamos.
No passado dia 22 de novembro, por volta das 21 horas, a minha esposa deu entrada nas urgências de um hospital com contrações regulares que se repetiam de sete em sete minutos. O que se previa era que, à semelhança dos partos anteriores, ela entrasse em trabalho de parto a qualquer momento, só que não: depois de ela ter feito uma cardiotocografia (CTG) e de ter sido observada por um médico, foi informada de que o colo do útero estava muito subido e que o nascimento do nosso filho não era para já. Não era para já, mas de lá ela já não saiu, pois a dilatação do colo do útero já estava nos dois centímetros e aos três tinham de lhe administrar a epidural. Até aqui nada de novo. Eram os procedimentos normais. De novo – e anormal – só mesmo o facto de lhe terem dito que eu não podia entrar para lhe fazer companhia. É verdade, pela primeira vez em três partos eu não ia poder estar com a minha esposa por causa da pandemia e das regras de combate à propagação da COVID-19. E o que diziam as regras? Que o pai tinha de fazer um teste à COVID-19 e testar negativo para poder assistir ao parto. Mas isto já nós sabíamos. O que nós não sabíamos era que «assistir ao parto» significava literalmente «assistir ao momento da expulsão». E foi exatamente isto que disseram à minha esposa quando ela perguntou se eu podia entrar.
Ora bem, vamos partes. Em primeiro lugar, quero deixar claro que eu não tenho qualquer problema com o cumprimento de regras. Muito pelo contrário. Sou um cumpridor exímio, até mesmo quando não concordo com as regras nem acho que elas façam sentido. Em segundo lugar, fiz o teste à COVID-19 e o resultado foi negativo. Fiz eu e fez a minha esposa. Na verdade, fizemos dois testes cada um: um no dia 17, que era a data prevista do parto, e outro no dia 22, que foi a data de entrada da minha esposa no hospital. Porquê dois testes? Porque os resultados dos testes só são válidos por 72 horas. Já agora, para que não restem dúvidas: ambos os testes deram negativos. Em terceiro lugar, há umas perguntas que eu gostaria de fazer à administração do hospital onde a minha esposa deu à luz: Porque é que um pai – com um teste negativo feito no dia – só pode assistir ao parto no momento da expulsão e não a partir do momento em que a mãe dá entrada na sala de partos? Por precaução, porque os testes à COVID-19 não são totalmente fiáveis?!... Então, e no momento da expulsão, os resultados dos testes à COVID-19 já são totalmente fiáveis? Além do mais, se é só para assistir ao momento da expulsão, porque é que um pai é obrigado a fazer um teste à COVID-19? Não bastava ter de usar máscara e desinfetar as mãos? Sinceramente, não percebi. Mas não foi só eu que não percebi. Alguns profissionais de saúde daquele hospital também não. E foi exatamente isto que um deles nos aconselhou: reclamar formalmente, porque aquela regra não fazia sentido.
Pois bem, não reclamámos formalmente, porque o cansaço não deixou, mas reclamo aqui, publicamente, já depois de ter descansado, para que todos tomem conhecimento e possam opinar. E se me vão dizer que, nos tempos que correm, todos os cuidados são poucos e que as regras têm de ser apertadas, permitam-me que eu me antecipe e vos diga que concordo plenamente e que nada tenho a obstar. Contudo, «apertadas» não são sinónimo de «incoerentes». E incoerência é a palavra que melhor define esta regra deste hospital. Porquê? Porque as regras não podem dizer que um pai precisa de ter um teste negativo para assistir ao parto e depois só poder entrar no momento da expulsão. Não faz sentido. Porque as regras não podem dizer que um pai só pode entrar no momento da expulsão e depois não dizer que tem de cumprir com as regras de distanciamento. Não faz sentido. Porque as regras não podem dizer que um pai tem de ter um teste negativo para assistir ao momento da expulsão e não dizer que tem de ter um teste negativo para visitar a esposa e o filho nos dias que se seguem. Não faz sentido. Sabem quantos pais é que, depois do parto, saem para se embebedar com amigos sem cumprirem com quaisquer regras de higiene nem de distanciamento? Eu, por acaso, nunca o fiz, mas sei de muitos que já o fizeram. E não me parece que as recomendações do Governo que dizem para não o fazerem sejam suficientes para que eles não o façam. Além do mais, tantas regras e tantos cuidados e depois deixam as visitas entrarem sem medirem a temperatura corporal?!... É que não foi uma nem duas vezes que isto já me aconteceu à entrada de um hospital ou de uma clínica: o termómetro não funcionar e mandarem-me entrar sem confirmarem a minha temperatura. Das duas, uma: ou os termómetros são a fingir, como os que a minha filhota faz com as peças da Lego, ou eu sou demasiado "hot" para aqueles termómetros. Ou então para aquelas funcionárias. E é aqui que eu paro para perguntar: De que servem as regras se não forem para serem cumpridas? Mas, no que diz respeito às regras de combate à propagação da COVID-19, a incoerência não fica por aqui. Vai mais longe.
Sabiam que, com a COVID-19, já não é possível registar o nome do bebé no hospital nem fazer o Cartão do Cidadão? Querem combater a propagação da COVID-19, mas depois obrigam os pais a terem de se deslocar a uma conservatória do registo civil e à Loja do Cidadão para fazer coisas que antes se faziam no hospital, sem filas de gente que não respeitam nada nem ninguém. É certo que o registo do bebé pode ser feito online, gratuitamente, mas o Cartão do Cidadão tem de ser feito presencialmente, com o bebé. O que vale é que não é urgente, disseram-me. Ainda assim, no meio de tantas regras incoerentes, destaque para uma das regras que nada tem que ver com a COVID-19, mas que têm muita lógica e fazem todo o sentido numa ilha onde se querem mais bebés: um cartão prenda no valor de 500 euros oferecido pelo Governo Regional da Madeira a todos os pais que trazem ao mundo um novo filho. Só não faz sentido não podermos usar o cartão em restaurantes nem em spas, mas isso não é o mais importante. O mais importante é que o podemos usar nas farmácias. E tendo em conta a minha última noite – a primeira com o novo recém-nascido cá em casa –, acho que vou gastar tudo em preservativos. E o pior não vão ser as noites. Vão ser os dias. Porquê? Porque, com o aumento do número de casos positivos de COVID-19 na Região Autónoma da Madeira, eu e a minha esposa decidimos que ficaríamos com os nossos outros dois filhotes em casa assim que o nosso bebé nascesse e eu começasse a gozar a minha licença parental inicial de vinte dias úteis obrigatórios. Para os protegermos, nos protegermos e, fundamentalmente, protegermos o nosso filhote recém-nascido, que ainda não levou qualquer vacina. Ou seja, nos próximos dias, não só vou ser pai de um recém-nascido que não me vai deixar dormir e de duas crianças travessas que não me vão dar descanso, como vou ser educador, "teacher", professor de educação física e professor de música. SOCORRO...
Ah, já me ia esquecendo: Sim, consegui assistir ao parto, ao momento da expulsão, mas só porque não segui os conselhos daquela enfermeira que disse à minha esposa que o melhor mesmo era eu ir a casa dormir. Apesar de viver a cinco minutos de carro do hospital, optei por ficar dentro do carro, quase sempre acordado. Mal recebi o telefonema da minha esposa, saí do carro a correr. Acho que não demorou mais do que cinco minutos: assim que cheguei à sala de partos, começou o momento da expulsão. O Vicente Maria nasceu no dia 23 de novembro, às 7:35 horas da manhã. Sacaninha, ao contrário da irmã e do irmão, que nasceram num domingo, nasceu numa terça-feira e fez-me gastar um euro no parquímetro!