Big Brother, estás aí?
Numa altura em que as pessoas já estão fartas de estar em casa, de quarentena, há pessoas que querem continuar em confinamento por mais três meses. Porquê? Muito provavelmente, porque se acostumaram a passar o dia em casa sentados no sofá e não querem voltar ao trabalho tão cedo. Ou então é porque recebem mais semanalmente para estarem fechados em casa do que para irem trabalhar. Como se não bastasse, ainda podem ganhar um prémio final de 50 mil euros!
Vinte anos depois, está de volta o programa televisivo que mais liderou as audiências televisivas e arrasou a concorrência em Portugal. Para quem nasceu neste século, não sabe do que é que eu estou a falar, mas para quem nasceu antes e viveu a sua adolescência no final do século passado sabe muito bem. Do que é que eu estou a falar? Da estreia do Big Brother em Portugal, um programa televisivo que mostrava o dia-a-dia de 12 pessoas "anónimas" fechadas dentro de uma casa, toda mobilada, com direito a água, luz e comida, tudo de graça. Aliás, não só tinham tudo de graça como ainda recebiam semanalmente uma "gracinha" por lá estarem. No final, uma graça ainda maior, mas só para o participante que caísse na graça do público: 100 mil euros e um automóvel. O que é que eles tinham de fazer para ganharem tudo isto? Nada. Ou melhor, tinham de fazer aquilo que todos nós fazemos no nosso dia-a-dia, menos trabalhar: dormir, acordar, lavar os dentes, tomar banho, comer, fazer algumas tarefas domésticas e... discutir. Quanto maiores fossem as discusões, maiores eram as audiências e, portanto, maior era o sucesso do programa. Agressões verbais ou físicas era coisa para fazer parar o país e disparar as audiências para valores nunca antes alcançados. Cenas de sexo também. E tudo isto houve na primeira edição. Quem foi que venceu a primeira edição? Curiosamente, e para grande surpresa da maioria dos concorrentes, quem venceu a primeira edição do Big Brother foi alguém que não discutia, não fazia sexo e que estava sempre pronto a ajudar nas tarefas domésticas, incluindo aquela de que ninguém gostava: cuidar das galinhas. Como se não bastasse, ainda sofria de "bullying" dentro da casa por parte de alguns concorrentes. Era este o tipo de perfil que mais agradava o público: o "coitadinho", o mais "certinho", o que não saía "fora da caixa". Quero dizer, mais ou menos. Na segunda edição, venceu um concorrente que era bastante "certinho" e que até queria ser missionário, mas depois de sair da casa, saíu "fora da caixa" e hoje é casado com um fotógrafo alemão. Atualmente, ser homossexual até pode ser um ponto a favor neste tipo de concursos, mas há dezanove anos muito dificilmente alguém ganharia alguma coisa assumindo que se sentia sexualmente atraído por pessoas do mesmo sexo. Isto se fosse um homem, claro.
Depois de uma primeira edição do Big Brother bem-sucedida, muitas outras edições se seguiram, mas a verdade é que nenhuma delas marcou tanto os telespetadores como a primeira. Aliás, não só os telespetadores como os concorrentes também. De entre os vários concorrentes que este programa marcou, destaque para o concorrente que ganhou tudo o que havia para ganhar dentro da casa, mas que perdeu (quase) tudo o que havia para perder cá fora. Só não perdeu a vida porque o salvaram de várias tentativas de suicídio. Depois de ter saído da casa mais vigiada do país e de ter sido recebido pelo público como um "rei", Zé Maria – ou «Zé das Galinhas», como ficou celebremente conhecido – não soube lidar com a (falta de) fama e entrou em depressão. Vinte anos depois, continua a tomar medicação para evitar novos surtos psicóticos, mas isso agora não interessa nada. O que interessa mesmo é que, vinte anos depois da estreia do Big Brother em Portugal, a estação de Queluz de Baixo volta a apostar neste reality show para conseguir alcançar aquilo que não alcança há muito tempo: a liderança de audiências. E foi já no passado domingo, dia 26 de abril, que estreou a nova edição do Big Brother em Portugal. Sim, é verdade: numa altura em que as pessoas já estão fartas de estar em casa, de quarentena, há pessoas que querem continuar em confinamento por mais três meses. Porquê? Muito provavelmente, porque se acostumaram a passar o dia em casa sentados no sofá e não querem voltar ao trabalho tão cedo. Ou então é porque recebem mais semanalmente para estarem fechados em casa do que para irem trabalhar. Como se não bastasse, ainda podem ganhar um prémio final de 50 mil euros. Mas não foi para criticar ou apontar o dedo com falsos moralismos que eu decidi escrever este texto. Foi para falar da estreia e das novidades.
[Sim, eu sei que muitas das pessoas que estão a ler este texto não veem este tipo de programas, nem mesmo que lhes pagassem, porque acham que o Big Brother é «um degredo televisivo para os telespectadores iletrados», mas não foi a pensar em vocês que eu decidi escrever este texto. Foi a pensar nas pessoas que dizem que não veem este tipo de programas, mas que, na verdade, não perdem um episódio.]
Vinte anos depois da sua primeira edição, estreou uma nova edição do Big Brother em Portugal, mas desta vez com algumas alterações e particularidades. A primeira delas tem que ver com o facto de, neste momento, os concorrentes não estarem fechados todos dentro da mesma casa, mas sim cada um no seu apartamento. Por causa da pandemia, os concorrentes estarão confinados no apartamento durante 14 dias e só de serem submetidos a dois testes de despite à COVID-19 e o resultado dar negativo é que podem entrar na casa. Como é óbvio, os resultados dos testes vão dar negativos, pois eu não estou a ver o vírus querer entrar naquela casa. Infelizmente, estes não são os únicos testes que têm de dar negativos para os concorrentes poderem entrar dentro da casa. Os testes de Q.I. também. A segunda particularidade tem que ver com o facto de a estação televisiva de Queluz de Baixo ter contratado alguém de propósito para apresentar este programa. Nem Teresa Guilherme, a apresentadora mais icónica de reality shows em Portugal, nem Manuel Luís Goucha, um apresentador de dispensa apresentações e que apresentou de forma sublime o último reality show em Portugal, foram escolhidos para apresentar esta edição do Big Brother. Não foram ou não quiseram ser escolhidos. Não interessa. O que interessa é que foi preciso contratar alguém fora da estação, sob pena de não haver apresentador para apresentar esta edição do programa. E quem é o novo apresentador? Claúdio Ramos, um apresentador que não sabe falar inglês, mas que consegue dizer o nome do programa exatamente da mesma forma que Teresa Guilherme o dizia: "Big Bradar". A terceira particularidade, tem que ver com a casa para onde eles vão viver depois deste período inicial de quarentena. Ao contrário de todas as outras edições, nesta edição eles não vão viver para uma casa de campo, na Venda do Pinheiro, com vista para o céu. Vão viver numa casa modernista, na Ericeira, com vista para o mar. Assim, à primeira vista, pareceu-me uma casa de YouTubers, mas às tantas é uma das casas de José Sócrates. Quero dizer do primo... de um angolano. Enfim, não interessa. O que interessa mesmo são os concorrentes, e sobre esses também há novidades.
De todas as edições, parece-me a mim evidente que este grupo de concorrentes é o mais heterogéneo de todos. Assim, de repente, destaque para um pastor, uma feirante, um homossexual, um mentalista, uma "cigana", um homofóbico, uma angolana, entre outros. Enfim, tem tudo para ser um sucesso de audiências, começando pelas discussões entre o homossexual e o homofóbico. De todos eles, quem foi que mais se destacou até agora? A feirante, claro. E porquê? Por várias razões. Primeiro, porque fala tão bem inglês quanto o apresentador. Segundo, porque se mostrou uma mulher muito apaixonada pelo «seu Vítor», o pai das suas filhas, o homem «magrinho, baixinho, jeitosinho, que tem tudo no sítio» com quem ela quer casar e ficar até «cair as peles». Terceiro, porque revelou que o seu maior desafio dentro da casa será depilar-se frente às câmaras. Ainda não sabe como é que o vai fazer, mas sabe que vai ter de fazer de qualquer das maneiras para não andar com a «pintelheira». E se acham que isto não é motivo para esta concorrente se ter destacado dos outros, esperem só pela descrição do momento auge da noite. Com uma réplica do Big Ben numa mão e uma alheira na outra, adivinhem o que foi que ela disse que tinha nas mãos? A «torre de paris» e uma «alheira do alentejo». E depois de o apresentador ter dito que era o Big Ben, «o de Londres, a resposta da concorrente não poderia ter sido melhor:
«Ah, Londres. Já, já ouvi falar... Big Ben, pois... Já ouvi falar, mas nunca vi. Agora, a Paris, eu já fui e já vi...»
Depois disto, não vi mais nenhum concorrente, não porque eu tenha ficado desiludido com o critério de seleção de concorrentes por parte da produção do Big Brother, mas porque adormeci... Só espero que os restantes concorrentes sejam tão bons quanto esta feirante. Nunca mais chega a domingo...