Bairros sociais?! É tudo gente de bem...
Toda a gente sabe que, nos bairros sociais, só vivem pessoas de bem, pessoas trabalhadoras e empreendedoras, que transformam edifícios inacabados em prédios habitáveis, com água, luz e televisão, pessoas pacatas e honestas que nunca se metem em confusões e que não praticam quaisquer atividades ilícitas que justifiquem a intervenção da polícia. Nos bairros sociais, as pessoas são sociáveis e de fácil convivência, até porque, se assim não fosse, não se chamariam bairros sociais: chamar-se-iam bairros antissociais!
No passado domingo, de manhã, uma equipa de intervenção rápida da PSP de Setúbal deslocou-se até ao Bairro da Jamaica, no Seixal, para intervir numa «desordem entre duas mulheres», mas acabou por espancar, a torto e a direito, homens e mulheres que ali se encontravam, sem qualquer motivo aparente. Esta é a versão das pessoas que foram agredidas, sustentada por um vídeo que alguém partilhou na Internet. Mediante estas acusações, a PSP de Setúbal já se pronunciou, dizendo que o vídeo não mostra todas as imagens e que os agentes da PSP foram apedrejados logo à chegada ao bairro. A PSP não dispõe de um vídeo que sustente a sua versão, mas dispõe de uma fotografia que mostra um agente da PSP com os lábios inchados, depois de, alegamente, ter sido vítima de apredejamento por parte de algumas pessoas do bairro. Entretanto, uma das raparigas do bairro, também ela agredida – física e verbalmente –, já veio a público dizer que a fotografia partilhada pela PSP não corresponde a nenhum polícia que tenha lá estado naquele dia, mas sim a um polícia que foi agredido noutro bairro, noutro dia. Perante estas duas versões, ficam as dúvidas, se bem que para o dirigente da SOS Racismo não há dúvida alguma: a atuação por parte dos agentes da PSP «foi um uso abusivo e desproporcional da força, injustificada e inaceitável num Estado de Direito» e este tipo de intervenção (violenta) das forças de segurança nestes bairros constitui um «padrão».
Ora bem, sobre as declarações do dirigente da SOS Racismo, pouco ou nada tenho a acrescentar, pois toda a gente sabe que, nos bairros sociais, só vivem pessoas de bem, pessoas trabalhadoras e empreendedoras, que transformam edifícios inacabados em prédios habitáveis, com água, luz e televisão, pessoas pacatas e honestas que nunca se metem em confusões nem praticam quaisquer atividades ilícitas que justifiquem a intervenção da polícia. Quando a polícia lá vai, é só para bater.
– Pessoal, acabámos de receber um telefonema do Bairro da Jamaica. Parece que andam duas mulheres à pancada e é preciso ir lá ensinar àquela malta como é que se bate. Quem é que quer lá ir?
– Eu, eu, eu,...
– Não, tu ficas, porque ainda és um novato.
– Eh, pá, não é justo.
– OK, vamos a isto: Par ou ímpar?
– Par.
– Ímpar.
– Ganhei.
– Foda-se, sacana do novato.
– Bora lá, malta, que hoje é dia de festa...
Quanto ao facto de a PSP ter revelado uma fotografia do polícia que, alegadamente, acabou ferido no Bairro da Jamaica: toda a gente sabe que, sempre que duas mulheres andam à pancada e os homens se metem, são os homens que acabam em pior estado. Ainda assim, pior do que o estado do agente, só mesmo a explicação:
– Então, pá, o que foi que te aconteceu? Parece que acabaste de meter botox nos lábios…
– Eh, pá, nem me digas nada.
– Então, bateram-te?
– Achas?! Aquele pessoal não faz mal a uma mosca. Eu é que, ao tomar balanço com o cassetete para lhes bater, acertei com ele na minha boca e comecei logo a sangrar. Depois disto, só me lembro de tirar uma “selfie” e cair redondo no chão.
– Foda-se, a sério?! Eh, pá, contado ninguém acredita. És mesmo um novato... Olha, mas não te preocupes: nós vamos publicar a "selfie" nas redes sociais e dizer que foste atingido por uma pedra!
Como vêem, nos bairros sociais, as pessoas são sociáveis e de fácil convivência, até porque, se assim não fosse, não se chamariam bairros sociais: chamar-se-iam bairros antissociais!
Mas então, se as pessoas dos bairros sociais são sociáveis e de fácil convivência, como é que se explicam os casos de violência a que se tem vindo a assistir nos últimos dias, com o arremesso de «cocktails molotov» contra viaturas da polícia nas esquadras e de pedras contra os polícias nas manifestações?
Eh, pá, as pessoas dos bairros são sociáveis e de fácil convivência, mas também não são de ferro. Aliás, já dizia Jesus: quem nunca errou que atire a primeira pedra. Pela cara do polícia, nota-se logo que estas pessoas não são muito de errar. Quero dizer, neste caso, foi o cassetete... Enfim, o que eu quero mesmo dizer com tudo isto é que acho muito bem que as pessoas dos bairros sociais se manifestem e lutem pelos seus direitos, os mesmos pelos quais o resto da sociedade também luta. O que eu acho mal é que não lutem também pelos deveres e obrigações, os mesmos a que o resto da sociedade está sujeita, tais como: pagar casa, pagar água, pagar luz, pagar televisão,...