A esquerda caviar...
Em Espanha, o líder de um partido de esquerda criticou um antigo ministro da Economia espanhol por gastar cerca de 600 mil euros num apartamento de luxo e, anos mais tarde, comprou uma vivenda com 3 quartos, uma decoração neocolonial, uma piscina e um riacho pelo valor de 600 mil euros. Em Portugal, dois políticos de dois partidos de esquerda diferentes, que muito têm criticado a especulação imobiliária a que se assiste em Lisboa, fizeram negócios com imóveis que poucos conseguiriam fazer: um deles comprou uma casa por 55 mil euros e, 10 meses depois, vendeu-a por 100 mil euros; o outro comprou um prédio por 350 mil euros e, três anos depois, está à venda por 5,7 milhões euros. Neste momento, quem se deve estar a rir de todo este imbróglio é Mário Soares, que conseguiu acumular uma fortuna avaliada em milhões de euros sem ninguém ter dado por isso.
Há muito que se identificam duas ideologias distintas no espectro político: a esquerda e a direita. Teoricamente, e grosso modo, a esquerda carateriza-se pela defesa de uma maior igualdade social e pelo nivelamento das classes sociais, enquanto a direita se carateriza pela posição de aceitação da hierarquia social ou desigualdade social como inevitável, natural, normal ou até mesmo desejável. Na prática, as duas ideologias confundem-se, muito graças ao papel dos políticos, que fazem da incoerência e da hipocrisia as suas principais caraterísticas para alcançarem aquilo que verdadeiramente pretendem: um cargo de poder para satisfazerem os seus próprios interesses. Senão vejamos:
Em 2012, o secretário-geral do partido de extrema-esquerda espanhol Podemos, Pablo Iglesias, questionou na sua página de Twitter o seguinte:
«Entregarias a política económica do país a quem gasta 600 mil euros num apartamento de luxo?»
A esta pergunta, por si só, não dizia nada, e talvez por isso é que Iglesias disse mais:
«Entregar a política económica a um milionário é como dar a um pirómano o ministério do Meio Ambiente.»
E foi desta forma que Pablo Iglesias entendeu pôr em causa a legitimidade do então ministro da Economia no exercício das suas funções, tudo porque era dono de um apartamento de luxo. Pois bem, o tempo não perdoa, nem as redes sociais, e, em 2018, eis que o feitiço virou-se contra o feiticeiro:
Em 2018, Pablo Iglesias e a sua esposa, Irene Montero, ambos do partido de estrema-esquerda Podemos, compraram uma vivenda com 3 quartos, uma decoração neocolonial, uma piscina e um riacho pelo valor de 600 mil euros. As críticas a Pablo Iglesias não tardaram, mas logo chegaram as “explicações”. Dentro do partido, há quem tenha dito que o caso de Iglesias e Montero era muito diferente, tendo em conta que eles compraram a casa para residir, enquanto o antigo ministro da Economia comprou a casa como investimento. Já Pablo Iglesias veio a público informar que ele e a sua esposa fizeram um empréstimo bancário para pagar a vivenda, que custa, a cada um, cerca 800 euros por mês, nos próximos 30 anos.
Sinceramente, não sei qual das duas explicações anteriores é pior. Se a primeira, que dá a entender que não é aceitável que alguém faça um investimento na compra de um apartamento de luxo, seja para residir, seja para o que for, ou se a segunda, que dá a entender que, se for para viver endividado durante 30 anos, é aceitável que se compre uma casa luxuosa no valor de centenas de milhares de euros. Como é óbvio, tanto o primeiro como o segundo casos nada têm de reprovável, não fosse o facto de Pablo Iglesias ser um crítico da desigualdade social e da ostentação dos políticos espanhóis. Ou seja, se o caso do ex-ministro da Economia nada tem de mal, o caso de Pablo Iglesias tem (quase) tudo de mal. Não que é ele não possa ter uma casa luxuosa. O que ele não pode fazer é criticar os outros por terem algo que ele também tem. Mas não é só em Espanha que se vê políticos de esquerda a agirem como se fossem políticos de direita. Em Portugal também. Aliás, não deve ser por acaso, certamente, que os portugueses dizem que os espanhóis são «nuestros hermanos»...
Em Portugal, António Costa, militante do Partido Socialista e atual primeiro-ministro de Portugal, e Ricardo Robles, militante do Bloco de Esquerda e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, dois políticos de dois partidos de esquerda, que muito têm criticado a especulação imobiliária a que se assiste em Lisboa, fizeram negócios com imóveis que poucos conseguiriam fazer: o primeiro comprou uma casa no Rato por 55 mil euros e, 10 meses depois, vendeu-a por 100 mil euros; o segundo comprou um prédio em Alfama por 350 mil euros e, três anos depois, está à venda por 5,7 milhões euros. Uma vez mais, não é que eles não possam comprar e vender imóveis e obter taxas de rentabilidade superiores ao norma. O que eles não podem é criticar os outros por fazerem algo que eles também fazem.
Como seria de esperar, tudo isto mexeu com a opinião pública em geral e, em particular, com a opinião dos militantes dos partidos, mas, na prática, a verdade é que tudo ficou (mais ou menos) igual: Pablo Iglesias continua à frente do partido Podemos, António Costa continua como primeiro-ministro de Portugal e Ricardo Robles, apesar de ter renunciado ao cargo de vereador na Câmara Municipal de Lisboa, vai continuar a fazer negócios lucrativos que poucos conseguem fazer, graças ao poder e influência que a vida política dá a qualquer pessoa que queira tirar proveito dela.
Enfim, tudo isto entristece as pessoas que ainda acreditam nos políticos, mas a verdade é que, neste momento, quem se deve estar a rir de todo este imbróglio é Mário Soares, um político de esquerda que conseguiu acumular (em vida) uma fortuna avaliada em milhões de euros sem ninguém ter dado por isso!